FOLHA DE S.PAULO - SP 09/07/2009
Projeto aprovado ontem pelo plenário segue agora para a sanção do presidente Lula; tendência é que não seja vetado. Texto também regulamenta as atividades de motoboys e motofretistas; especialistas temem que ocorra um aumento de acidentes
O plenário do Senado aprovou ontem projeto que regulamenta a profissão dos mototaxistas e que deve incentivar a expansão da atividade no país.
A medida preocupa a maior parte dos especialistas em segurança viária, que temem pelo aumento de acidentes devido ao uso da motocicleta no transporte público de passageiros.
O mototáxi já existe em mais da metade dos municípios do país, mas enfrenta um obstáculo jurídico para a sua proliferação: parte do Judiciário considerava a atividade ilegal pela ausência de normas nacionais.
O texto aprovado no Senado -e que também regulamenta a profissão dos motoboys, que fazem entrega de mercadorias- seguirá agora para sanção do presidente Lula (PT). A tendência é que não seja vetado.
Mesmo se for sancionado, caberá a cada Câmara ou prefeitura do país definir os lugares que poderão ter mototáxi.
A Fenamoto (Federação dos Mototaxistas e Motoboys do Brasil) prevê que a oficialização da profissão deverá dobrar, dentro de um ano e meio, a quantidade de 500 mil mototaxistas e de 10 milhões de usuários desse transporte por dia.
Técnicos avaliam que ela deve se expandir até na periferia de metrópoles como São Paulo.
A expansão das motocicletas é uma das principais preocupações da segurança viária no país: em dez anos, a frota desses veículos quadruplicou, e as mortes de motociclistas aumentaram mais de 800%, atingindo 19 por dia em 2006.
Regras claras
Os defensores do projeto do mototáxi alegam que a regulamentação ajuda a fixar regras claras até para permitir uma fiscalização dessa atividade -bem como para os motoboys e para os motofretistas.
O projeto aprovado no Senado prevê que a profissão só poderá ser exercida por maiores de 21 anos que tenham carteira de habilitação por, pelo menos, dois anos na categoria.
O relator do projeto e principal articulador da aprovação, senador Expedito Filho (PR-RO), disse que a idade de 21 anos é para evitar que pessoas sem experiência de direção exerçam a profissão. Parte da base eleitoral dele em Rondônia é de mototaxistas.
Também será exigido do profissional aprovação em curso especializado, nos termos da regulamentação do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), e colete de segurança com dispositivos retrorrefletivos.
A votação no plenário foi acompanhada por motoboys. O Ministério do Trabalho afirma que há hoje no país 2,5 milhões de profissionais que trabalham na informalidade com motos pela falta de regulamentação.
O Ministério da Saúde se posicionou contra a aprovação do projeto. Um dos motivos é a utilização coletiva do capacete nos mototáxis. Para os senadores, porém, uma touca descartável pode se tornar obrigatória por decisão do Contran.
O projeto também regulamenta os motovigias (motociclistas contratados por grupos de moradores para circular pelas ruas à noite), criando a exigência de identificação do profissional, bem como a comprovação de residência e as certidões negativas das varas criminais "para dar tranquilidade aos moradores assistidos".
Essas cautelas, segundo a justificativa do projeto, visam evitar que as pessoas se sintam constrangidas a remunerar esses motociclistas pelo temor de sofrer represálias.
Os taxistas que trabalham com transporte remunerado de mercadoria (motofrete) terão que instalar na motocicleta protetor de motor mata-cachorro, fixado no chassi do veículo, destinado a proteger a motocicleta e a perna em caso de tombamento.
O projeto define que o motofrete carrega mercadorias, como galão de água, e o motoboy, documentos. O mototáxi não pode ser usado no transporte escolar. Uma emenda chegou a ser apresentada ao projeto neste sentido, mas não foi acatada pelo relator.
Importamos o que existe de pior, diz técnico em trânsito
Engenheiro e sociólogo diz que modelo brasileiro de políticas para motocicletas copia o que existe na África e na Ásia pobre. Para Eduardo Vasconcellos, regulamentação do mototáxi sinaliza domínio do discurso de que moto liberta os mais pobres.
Há cinco anos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez um alerta mundial para os riscos do avanço das motos nos países em desenvolvimento. O engenheiro e sociólogo Eduardo Alcântara Vasconcellos, 56, que participou como representante brasileiro no relatório da entidade, avalia que as recomendações tiveram um efeito "zero" -e que um dos exemplos da situação no Brasil é a regulamentação nacional da atividade do mototáxi.
"O discurso de que a moto gera emprego e liberta o pobre, essa demagogia é mais forte", diz. "Importamos o pior do que já existe na África e na Ásia pobre, de uma maneira populista e irresponsável", afirma ele, que tem pós-doutorado na Universidade de Cornell (EUA) e é assessor da ANTP (associação de transportes públicos):
FOLHA - Quais serão os impactos da regulamentação do mototáxi?
EDUARDO ALCÂNTARA VASCONCELLOS - É inegável que a moto é um veículo muito perigoso. De cada dez acidentes com moto, sete têm vítimas. De cada dez com carro, um tem vítima. Se acrescentar a isso a possibilidade de alguém na garupa, aumenta o problema porque a condução de uma motocicleta é influenciada pelo peso e pelo comportamento do passageiro. Dado o apoio amplo e irrestrito do governo federal à indústria da motocicleta, haverá um incentivo muito forte para a proliferação do mototáxi.
FOLHA - Que apoio é esse?
VASCONCELLOS - O governo facilitou a ida da indústria para a zona franca de Manaus. Tem um subsídio muito alto. Agora, com a crise, o governo também reduziu o IPI da motocicleta. Além disso, a moto que entrou no Brasil é altamente poluente. O governo não exigiu que a indústria adaptasse os motores. É uma licença para poluir com um custo social enorme. Nós importamos o pior do que já existe na África e na Ásia pobre, de uma maneira populista e irresponsável.
Projeto aprovado ontem pelo plenário segue agora para a sanção do presidente Lula; tendência é que não seja vetado. Texto também regulamenta as atividades de motoboys e motofretistas; especialistas temem que ocorra um aumento de acidentes
O plenário do Senado aprovou ontem projeto que regulamenta a profissão dos mototaxistas e que deve incentivar a expansão da atividade no país.
A medida preocupa a maior parte dos especialistas em segurança viária, que temem pelo aumento de acidentes devido ao uso da motocicleta no transporte público de passageiros.
O mototáxi já existe em mais da metade dos municípios do país, mas enfrenta um obstáculo jurídico para a sua proliferação: parte do Judiciário considerava a atividade ilegal pela ausência de normas nacionais.
O texto aprovado no Senado -e que também regulamenta a profissão dos motoboys, que fazem entrega de mercadorias- seguirá agora para sanção do presidente Lula (PT). A tendência é que não seja vetado.
Mesmo se for sancionado, caberá a cada Câmara ou prefeitura do país definir os lugares que poderão ter mototáxi.
A Fenamoto (Federação dos Mototaxistas e Motoboys do Brasil) prevê que a oficialização da profissão deverá dobrar, dentro de um ano e meio, a quantidade de 500 mil mototaxistas e de 10 milhões de usuários desse transporte por dia.
Técnicos avaliam que ela deve se expandir até na periferia de metrópoles como São Paulo.
A expansão das motocicletas é uma das principais preocupações da segurança viária no país: em dez anos, a frota desses veículos quadruplicou, e as mortes de motociclistas aumentaram mais de 800%, atingindo 19 por dia em 2006.
Regras claras
Os defensores do projeto do mototáxi alegam que a regulamentação ajuda a fixar regras claras até para permitir uma fiscalização dessa atividade -bem como para os motoboys e para os motofretistas.
O projeto aprovado no Senado prevê que a profissão só poderá ser exercida por maiores de 21 anos que tenham carteira de habilitação por, pelo menos, dois anos na categoria.
O relator do projeto e principal articulador da aprovação, senador Expedito Filho (PR-RO), disse que a idade de 21 anos é para evitar que pessoas sem experiência de direção exerçam a profissão. Parte da base eleitoral dele em Rondônia é de mototaxistas.
Também será exigido do profissional aprovação em curso especializado, nos termos da regulamentação do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), e colete de segurança com dispositivos retrorrefletivos.
A votação no plenário foi acompanhada por motoboys. O Ministério do Trabalho afirma que há hoje no país 2,5 milhões de profissionais que trabalham na informalidade com motos pela falta de regulamentação.
O Ministério da Saúde se posicionou contra a aprovação do projeto. Um dos motivos é a utilização coletiva do capacete nos mototáxis. Para os senadores, porém, uma touca descartável pode se tornar obrigatória por decisão do Contran.
O projeto também regulamenta os motovigias (motociclistas contratados por grupos de moradores para circular pelas ruas à noite), criando a exigência de identificação do profissional, bem como a comprovação de residência e as certidões negativas das varas criminais "para dar tranquilidade aos moradores assistidos".
Essas cautelas, segundo a justificativa do projeto, visam evitar que as pessoas se sintam constrangidas a remunerar esses motociclistas pelo temor de sofrer represálias.
Os taxistas que trabalham com transporte remunerado de mercadoria (motofrete) terão que instalar na motocicleta protetor de motor mata-cachorro, fixado no chassi do veículo, destinado a proteger a motocicleta e a perna em caso de tombamento.
O projeto define que o motofrete carrega mercadorias, como galão de água, e o motoboy, documentos. O mototáxi não pode ser usado no transporte escolar. Uma emenda chegou a ser apresentada ao projeto neste sentido, mas não foi acatada pelo relator.
Importamos o que existe de pior, diz técnico em trânsito
Engenheiro e sociólogo diz que modelo brasileiro de políticas para motocicletas copia o que existe na África e na Ásia pobre. Para Eduardo Vasconcellos, regulamentação do mototáxi sinaliza domínio do discurso de que moto liberta os mais pobres.
Há cinco anos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez um alerta mundial para os riscos do avanço das motos nos países em desenvolvimento. O engenheiro e sociólogo Eduardo Alcântara Vasconcellos, 56, que participou como representante brasileiro no relatório da entidade, avalia que as recomendações tiveram um efeito "zero" -e que um dos exemplos da situação no Brasil é a regulamentação nacional da atividade do mototáxi.
"O discurso de que a moto gera emprego e liberta o pobre, essa demagogia é mais forte", diz. "Importamos o pior do que já existe na África e na Ásia pobre, de uma maneira populista e irresponsável", afirma ele, que tem pós-doutorado na Universidade de Cornell (EUA) e é assessor da ANTP (associação de transportes públicos):
FOLHA - Quais serão os impactos da regulamentação do mototáxi?
EDUARDO ALCÂNTARA VASCONCELLOS - É inegável que a moto é um veículo muito perigoso. De cada dez acidentes com moto, sete têm vítimas. De cada dez com carro, um tem vítima. Se acrescentar a isso a possibilidade de alguém na garupa, aumenta o problema porque a condução de uma motocicleta é influenciada pelo peso e pelo comportamento do passageiro. Dado o apoio amplo e irrestrito do governo federal à indústria da motocicleta, haverá um incentivo muito forte para a proliferação do mototáxi.
FOLHA - Que apoio é esse?
VASCONCELLOS - O governo facilitou a ida da indústria para a zona franca de Manaus. Tem um subsídio muito alto. Agora, com a crise, o governo também reduziu o IPI da motocicleta. Além disso, a moto que entrou no Brasil é altamente poluente. O governo não exigiu que a indústria adaptasse os motores. É uma licença para poluir com um custo social enorme. Nós importamos o pior do que já existe na África e na Ásia pobre, de uma maneira populista e irresponsável.
FOLHA - Por que populista?
VASCONCELLOS - Porque a moto disfarça, esconde os impactos verdadeiros e trabalha habilmente com a ideia de progresso. O discurso é por ser geradora de empregos. O mais irônico e trágico é que ela fala que é a libertação dos mais pobres.
FOLHA - A regulamentação do mototáxi, ao fixar regras claras, não é melhor do que deixar como está?
VASCONCELLOS - É um falso argumento. As pessoas de mototáxi, mesmo com a regulamentação, estarão expostas a riscos muito altos. As características inerentes da motocicleta são um problema. Independe do capacete, por exemplo.
FOLHA - O mototáxi chegará com força às grandes metrópoles?
VASCONCELLOS - Nas grandes metrópoles vai haver uma resistência maior, porque o transporte público é mais farto. Mas nas áreas periféricas delas vai surgir com certeza. Existem deficiências estruturais na oferta do sistema de ônibus, na qualidade, a tarifa é muito alta em vários lugares. Tudo isso é um incentivo pra pegar um mototáxi.
FOLHA - O que mudou desde 2004, quando a OMS apontou a preocupação mundial com as motos?
VASCONCELLOS - Nada. Não teve nenhuma repercussão. Zero. O discurso de que a moto gera emprego e liberta o pobre, essa demagogia é mais forte.
Esses processos de entrada de tecnologia sem nenhum cuidado se assemelham a processos de seleção natural. Infelizmente. Os mais fracos, os mais ignorantes dos riscos, vão pagar um preço altíssimo na ilusão de que é uma coisa boa.
ENVIADO POR:
Waldecir Antonio José da Cunha
Instrutor/SENAT/Bauru
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